"Acho que Sócrates não recebeu dinheiro mas vai ver-se aflito"

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É militante do PSD?

Não, de todo. Não sou militante de partido nenhum, sou um grande militante do Sporting, só.

Mas digamos que é da social- -democracia?

Sou um homem de centro-direita. Gosto de ser centro-direita, considero-me um liberal, gosto de economia de mercado.

Ainda, apesar de todo este descalabro financeiro?

Eu trouxe uma coisa para esta entrevista, que li, uma coisa publicada em 1867 do Karl Marx que dizia: "Os donos do capital vão estimular os trabalhadores a comprar mais e mais, de coisas caras, casas, tecnologia, para pô-los cada vez mais a deverem ao crédito, até que eles considerem que não conseguem pagar. E, portanto, quando não conseguirem pagar, nessa altura vai começar a bancarrota. E vai começar a nacionalização de todo o Estado, o que pode?" Isto é extraordinário! Eu não sou nada comunista, nem sou um homem de esquerda. Agora, em 1867 o Karl Marx parece que tinha uma visão do que ia acontecer?

150 anos depois...

? do que ia acontecer em Portugal e no mundo.

E é nesse sentido que lhe perguntava - ainda continua a ser liberal?

Continuo a ser liberal, mas acho que tem que haver regras. O grande problema é que não há regras, é tudo muito dúbio. E enquanto não houver transparência, enquanto não houver uma nova classe política que nasça de uma classe média, que não tem interesses? Pergunto à minha empregada doméstica o que é que ela acha do caso Freeport. E ela diz: "Alguém meteu o dinheiro ao bolso", é limpinho! Há uma desconfiança permanente nos portugueses, quem vai para o Governo é para sacar algum. Quem vai para os postos públicos é para sacar algum. Isto é horrível! Quando nós temos um primeiro- -ministro que tem sobre ele a dúvida de que poderá ter recebido alguma coisa, que pessoalmente acho que não recebeu?

Mas acha que ele tem condições políticas para continuar a governar ou acha que devia demitir-se e provocar eleições antecipadas?

É muito difícil. A mim não me preocupa muito o dinheiro, se ele recebeu ou não recebeu, porque acho que não recebeu. Sinceramente, é o que penso daquilo que conheço do José Sócrates? apesar de não gostar nada de mim... - estou há quatro anos no ACP, já pedi para ser recebido, nuca fui recebido por José Sócrates., não é normal um primeiro-ministro não receber o maior clube deste país, mas é para o lado que melhor durmo. Mas tenho consideração pelo José Sócrates, porque acho que, apesar de tudo, é um homem que acredita naquilo que faz, é um homem que puxa o barco?

E sobre as condições políticas que ele tem neste momento... Não é uma questão de saber se ele é inocente ou culpado...

Acho dramático é que os portugueses não saibam como é que foi feita a autorização para o Freeport. Porque aqui o dinheiro, se recebeu o tio, o primo, o sobrinho, isso para mim é-me indiferente! Quero é saber - e é isso que ninguém me esclareceu ainda - como foi feita a autorização do Freeport. Senão vai haver sempre a dúvida do que é que se passou. Independentemente de ser alvo de uma cabala, ou não cabala, como ele diz.

Mas acha que é?

Acho que não. Acho que tem que haver uma investigação séria, não se pode estar a dizer que há uma cabala. José Sócrates tem tido tanta poeira à volta dele, a licenciatura isto e aquilo. As pessoas têm que perceber e de uma vez por todas que a licenciatura foi limpa, que ele não teve nada a ver com o caso Freeport...

Acha que ele faz bem em resistir? Tem condições para continuar à frente do Governo?

Neste momento, perante a opinião pública, acho que vai ter um ano desastroso. É muito difícil um homem que seja estruturalmente sério estar a lutar permanentemente contra uma comunicação social adversa, em que mata, esfola permanentemente, vai buscar mais uma carta, vai buscar mais uma informação a Londres? Acho que ele vai ver-se aflito. Mas a última palavra será sempre do Presidente da República, que é quem tem que decidir se há ou não condições para haver eleições antecipadas.

Ele próprio pode decidir, pode demitir-se.

Ele não vai desistir. José Sócrates é um lutador, a gente já percebeu isto. Ele próprio disse aos portugueses, "não pensem que me vão vencer por aqui".

Já vi que aprecia José Sócrates. E Manuela Ferreira Leite?

Gosto muito da Manuela Ferreira Leite. Não tem o estilo propagandista de José Sócrates. Havia alguém que me dizia, quando o Obama foi eleito, que ele fazia-lhe lembrar o Guterres em preto... [risos] José Sócrates é um homem de marketing, sabe vender uma coisa que é invendável, faz-me lembrar também muito o António Costa, consegue arranjar maneiras de negar a evidência. Mas há uma coisa que aprecio muito nele, é um homem que acredita nas suas convicções, é um homem lutador, é um homem que quer levar o País para a frente. Mas depois acontecem-lhe todos estes lodos pelo meio. Já a Manuela Ferreira Leite é uma mulher extremamente séria, mas não é uma mulher popular, de que as pessoas gostem. Teve uma passagem pelo Ministério das Finanças que apertou o cinto aos portugueses. Manuela Ferreira Leite dá, sobretudo, uma imagem de seriedade e de estabilidade que é muito importante para o País neste momento.

E acredita que ela pode ainda vencer as eleições este ano?

Perante o descontentamento? que se vai vendo nas sondagens. Nunca liguei a sondagens, estive na comunicação social anos e sei o que é que são sondagens. Não estou a dizer mal, estou a dizer que valem o que valem. Daqui até às eleições vai tanta coisa ainda acontecer, vai tanta coisa ainda passar-se, quer a nível político quer a nível económico, que acho que os portugueses podem querer, efectivamente, uma alternativa. E neste momento a única alternativa é Manuela Ferreira Leite e o PSD. Mas há uma coisa curiosa, e isto é importante para a política portuguesa: esta entrada de um movimento como o do Rui Marques, que precisa apenas de 50 mil eleitores para pôr dois deputados no Parlamento, traz uma nova maneira de estar na política, uma nova maneira de não fazer promessas?

Cinquenta mil eleitores se eles forem no mesmo local, não dispersos pelo País?

Em Lisboa, estou a falar em Lisboa. Porque o grande problema da política, neste momento, em Portugal é que temos que mudar isto, não há nada a fazer! Veja o que se passa com os políticos hoje em dia: começam nas juventudes partidárias, das juventudes partidárias passam a deputados, de deputados passam a secretários de Estado, ainda antes de passarem a deputados, passam por chefes de gabinete, ou por assessores. E, de repente, caem neste círculo vicioso, que não põe o País a funcionar.

Está a dizer-nos que não conhecem nada da vida, é isso?

Nada, zero! Por isso, Rui Marques, quando fez este movimento, o MEP, em dois meses conseguiu dez mil assinaturas para fazer um partido político, quando são obrigatórias só 7500. E com uma tranquilidade, com pessoas completamente desconhecidas, não há ali figuras! A política em Portugal tem que mudar. Os portugueses não acreditam, actualmente, nos partidos políticos tal e qual como estão. Acho que era importantíssimo que começasse a haver uma renovação da política em Portugal, em que a política chegasse perto dos cidadãos. Esta entourage partidária que está na Assembleia da República e está nos ministérios, no fundo, são sempre os mesmos, vão crescendo, vão entrando, mas não conhecem a vida real! |

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